1990
EPIC 231263
O reggae não é novidade por aqui. Na ponta do lápis, a música popular da Jamaica tem pelo menos 20 anos de Brasil, com direito a visto permanente, residência e voto. Desde os primeiros sucessos de Desmond Dekker (The Israelites), Jimmy cliff (Mama Look at the Mountains), até a explosão de Gilberto Gil com "No Woman, No Cry", de Bob Marley, a história do reggae no país do samba vem ganhando contornos cada vez mais exatos. Hoje o shacka-shacka-boom é fenômeno de massa em estados como Maranhão, Piaué e Bahia, ao mesmo tempo que revoluciona mecanismos mais sofisticados, como o de São Paulo, Rio, e outros polos da zona sul do país.
No Rio, a porta de entrada para o reggae foi a Baixada Fluminense, um lugar tão ativo e tenso como as famosas quebradas de Kingston, capital da Jamaica, onde essa síntese rítmica e filosófica dos artistas de rua começou. O clima, os telhados toscos, o vai-vem de pessoas, a pulsação inevitavel da herança africana, tudo provoca essa comparação. Não podia mesmo dar outra: a Jamaica engravidou a Baixada.
Parto norma: Cidade Negra. É a cara da Jamaica, é a cara da Baixada, é a cara dos salões de dança de São Luis, das ruas de Salvador, das pistas mais movimentadas de São Paulo, dos bairros blacks de Nova Iorque e Londres. É também a cara franca do tremendo equívoco em que se transformaram as grandes cidades, sem o baixo astral de quem não acredita na mudança. Palavras fortes, poesia de rua, o dia-a-dia numa leitura inesperada. Bateria pesada, baixo muito grave, a essência das levadas jamaicanas, em baixíssimas freqüências, que faz as pessoas ouvirem com o corpo e não apenas com os ouvidos.
Bateria, baixo, guitarra. Um power trio, cozido no calor insuportável das eternits, fazendo a base para uma voz de rua, rachando os amplificadores para conseguir o peso certo em cada nota, ouvindo o melhor da música da Jamaica no toca-discos e a sonora batucada nas mesas de bar da esquina. O circuito de show foi crescendo. Uma equipe da BBC de Londres incluiu cenas de ensaio e de palco num documentário sobre o Rio, mostrando a ponte invisível que liga as massas de todos os cantos do planeta. Depois excursões para Salvador, São Paulo, definindo um repertório que provocaba todo mundo.
Mais recentemente o caminho se abriu: o rádio, a TV, os meios de comunicação de massa descobriram que o reggae é um dos poucos tipos de música que conseguem respeito e respaldo diante de todo e qualquer tipo de público - ricos e pobres, brancos e negros, padodeiros e rockeiros, surfistas de prancha e surfistas de trem. É a vez do Cidade Negra.
Este primeiro disco do grupo registra vários desses capítulos, boa parte dos muitos desdobramentos da música da raça por aquí. É inevitável tomar o LP como um símbolo do movimento, ao lado de outros fenômenos como os blocos afro da Bahia, a explosão do funk e do reggae nas quebradas e nas praias da zona sul, a valorização da música da terra e a importância disso tudo à luz de uma consciência planetária. O Cidade Negra esta surgindo do jeito e na medida certa, com virtude, em cima da hora. Mereceu do bom e do melhor: gravação de gala, naipe de metais, mixagem cuidadosa, presença especial de Jimmy Cliff (voz em "Mensagem") e diversidade criativa na participação de alguns dos mais ativos nomes da música brasileira, de varias tendências. Tudo sem excessos, sem as reinterpretações fáceis que a tecnología às vezes permite. O som continua da Baixada.
Não espere encontrar mais um time de orfão de Bob Marley ou uma versão anos 90 das químicas bem resolvidas de Gilberto Gil, Jorge Bem e Tim Maia. O Cidade Negra tem estilo, tem identidade, consegue nos remeter a todo este universo enquanto faz sua própria música. Música legítima, brilhante por excelência, que mostra o Brasil nu, ansioso e aflito, mas no colo da Mãe. Prepare-se para o melhor.
A
LUTE PARA VIVER
MENSAGEM Part. Especial Jimmy Cliff
NAO CAPAZES
FALAR A VERDADE
NADA MUDOU
B
GAFANHOTO
ASSASSINATUREZA
NOS JARDINS DESTA NAÇAO
MAMAE SANGRA
Tienda Cafe Con Che
Porque é Imprescindivel Sonhar
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