LP FEDERICO GARCIA LORCA
12 Canções para 2 violões
PACO DE LUCIA E RICARDO MODREGO
PHILIPS
6328 099
1973
“Cuando yo me muera
Enterradme con una guitarra
Bajo la arena” (1931) Federico Garcia Lorca
Sabemos que Federico Garcia Lorca desejou ser sepultado com uma guitarra. Como o poeta, a guitarra nasceu na Andaluzia e, por enganoso que possa parecer tal paralelismo cronológico nada nos impede de meditar sobre o fato de que Lorca havia consagrado a música e a guitarra suas primeiras confidencias artísticas.
Sabemos que a pintura e o desenho foram sua segunda paixão antes que a poesia escrita não arrebatasse completamente os recursos expressivos desse filho de Granada. Todos os biógrafos, enfim, insistiram na amizade muito viva que o unia a Manuel de Falla: talvez esteja aí o segredo do abandono muito precoce da música, pois, malgrado uma cortesia legendária, a vida, a obra e a ética do maior dos musicistas espanhóis tinham tudo para intimidar a vocação ainda malafirmada do estudante (Lorca se licenciou em Direito em Granada em 1923; Falla oferece então ao publico seu Ratablo de Maese Pedro. O concerto para o cravo só apareceria três anos mais tarde, Falla sería, a parti daí, de uma exigência tal que, pouco depois, só o silencio restou.)
Freqüentemente se insistiu no caráter terreno da poesia de Lorca, aos seus anos de juventude (passado sob o domínio familiar), o autor do ROMANCERO GITANO deve, entre outras coisas, uma rara faculdade de encerrar numa poesia, ao mesmo tempo direta e erudita, tanto a vivacidade andaluza quanto o seu “sentimento trágico da vida”.
O sucesso de Lorca junto a toda categoria de leitores não tem outras razões, não mais que o sentimento de autenticidade que ele procura, permanecendo sem cessar na vanguarda e atento as correntes mais avançadas da criação artística.
Este enfoque por certo esquemático da obra literária parecia necessário para uma justa apreciação da musica deixada pelo poeta pois esta, embora em grau de menor afirmação, revela exatamente as mesmas dosagens. Não se trata aqui do abandono de um “violino de ingres”, logo deixado por uma lira melhor, mas precisamente de um primeiro estado do pensamento criador de Lorca e quase uma primeira definição (musical, mas porque levantar barreiras entre as diferentes artes?) dos fins que ele pretendia tanto no lirismo escrito quanto em sua obra teatral.
Trata-se, com efeito, de harmonizações de cantos populares ouvidos desde a infância mas os quais o jovem musico (e aqui a influencia de Falla é muito sensível) se esforçará para dar uma feição em que o conhecimento e a precocidades do pormenor serão menos ornamentos superacrescentados que uma maneira refletida de lhes designar a crueza essencial, a universalidade expressiva. Quando a maneira dos dramaturgos do Século de Ouro (e de Shakespeare), nosso autor dramático entrecorta seus diálogos com adaptações novas de canções comparáveis características, ele não procede de maneira diversas, usando ornamentos cênicos (um ator cantarolando) para melhor fazer sentir o núcleo dramático. Nos poemas do mesmo modo, as precocidades da linguagem como as metáforas expressivas herdadas por vezes do CULTISMO de Gongora, não apenas não excluem mas ainda avivam a intensidade da evocação, liberando o sentido em vez de o dissimular sob o que chamamos, não raro por antífrase, as “flores de retórica”.
Retórica florida, justamente, como a de Lorca, paradoxo que por si só justifica e torna agradável, por exemplo, esta improvisação sobre os famosos CUATRO MULEROS (no começo da segunda face), no curso da qual o tema conhecido só aparece no final, depois de muitos acordes e outros tantos meandros melódicos, como de surpresa, de uma maneira de humor satisfeito profundamente espanhol (em graus diversos, a absorveção vale para todos os motivos celebres que aqui ouvimos: ANDA JALEO, SEVILLANAS DEL SIGLO XVIII, EL VITO, CAFÉ DE CHINITAS).
Por certo, todos estes motivos populares são andaluses. Nenhum outro seria suficientemente ajustado com a alma profunda de Lorca: aqui, ainda, a diferença se assinala diante das pesadas harmonizações que eram a regra de muitas escolas do começo de este século. Não são obras de aprendiz, mas musica de estética já madura, que sabe perfeitamente que campo deve ser cultivado, com exclusão de qualquer outro.
Sabemos que antes da morte de Lorca numerosos de seus poemas haviam tornado, por assim dizer, a sua origem, propagados pelas ruas anonimamente, ou eram ditos, espontaneamente, como expressão nova do mundo do qual haviam fixado a quintessência. Cumpre ver uma simplicidade menor nestas harmonizações sinuosas e confiadas a duas guitarras? Admiraremos, como nos poemas de maior vida, a finura da escrita e esta faculdade muito impressionante de ter, apesar de tudo, o ar de ser despojado ou pelo menos LÍMPIDO.
Notemos, enfim, que num desenho freqüentemente publicado, como num poema famoso, Lorca se refere à antiga guitarra, a de antes do século romântico, instrumento que só tinha cinco cordas. O futuro poeta havia aprendido musica (ele era também pianista) com sua mãe e sua tia; mal podemos crer que essa pratica familiar tenha sido preocupação da antiga tradição a ponto de não admitir senão um instrumento do século XVIII. Temos ai a simples preciosidade arcaica ou cumpre ver um efeito desse despojamento e desse gosto de sonoridades mais contidas dos instrumentos antigos, de que Falla se faz apóstolo? Eis um detalhe da legenda de Lorca que nem os musicólogos espanhóis nem os numerosos admiradores do poeta pensaram, parece, em esclarecer.
MARCEL MARNAT
Face 1:
Zorongo gitano
Sevillanas del siglo XVIII
Las Morillas de Jaen
Anda jaleo
Los mozos de Monleon
Los reyes de la baraja
Face 2:
Los cuatro muleros
Nana de Sevilla
Café de Chinitas
El Vito
Los peregrinitos
Las tres hojas
COMPRAR
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