Lp - Arthur Moreira Lima Interpreta Ernesto Nazareth
Discos Marcus Pereira
MPA 2009
Duplo
1975
O poeta francês Blaise Cendrars quando esteve no Brasil, em 1924, disse a Mario de Andrade – tão logo se inteirou da excelência da nossa cozinha – que nós tínhamos cultura própria. Exultamos, não porque a Europa se tivesse curvado mais uma vez, ate porque os continentes não se curvam inclusive por impossibilidade física, mas porque a Europa aplaudiu. E Mario de Andrade comentou: teríamos, se quiséssemos. A tese do grande poeta lhe vinha da experiência e garantia que jamais conhecera um povo que, possuindo cozinha nacional, não possuísse cultura própria também. O fato é que uma realidade cultural que não existe dinamicamente, parece não existir e tende a desaparecer, principalmente depois que a cultura passou a ser objeto de consumo, produzindo lucro como as margarinas e os aviões F 5E. Por isso, não basta termos uma cultura própria, pois – na verdade – para a termos, é preciso, antes de tudo, que a queiramos ter, como disse Mario de Andrade, a quem imagino comentando “alem do povo, não estou vendo muita gente querendo, não”. Realmente, neste “Brasil estrangeiro”, (J.R Tinhorão), a cultura nacional é mais uma potencialidade do que uma realidade. E potencialidade, como se sabe, não agüenta desaforo.
Perguntaram-me, recentemente, se o modelo brasileiro de musica de exportação não seria o modelo Sergio Mendes – e a pergunta se apoiava no seu sucesso no mercado norte americano. Respondi, firmemente apoiado no som do “Quinteto Armorial”, que o exemplo apresentado era um exemplo de capitulação não a uma cultura mais rica, mais a uma cultura mais poderosa.
Estes discos representam a mais genuína cultura brasileira, como a goiabada-cascão das irmãs Alves, de Tietê. E nasceram de um encontro que tive com Arthur Moreira Lima, na casa de Sergio Cabral quando – para espanto dos nossos paladares – nos foi servido um bobó de camarão absolutamente inacreditável. Combinamos a gravação deste discos, sugestão que Sergio havia feito a Arthur, quando entrevistara para o “Pasquim”. Eles revivem Ernesto Nazareth, na interpretação magistral dos “ágeis dedos de feltro” de Arthur Moreira Lima, como diz Eurico Nogueira França no texto que acompanha estes discos, cuja leitura recomendo, com veemência. Revive também o piano, através de Arthur Moreira Lima, pianista patrício conhecido no mundo inteiro. Afinal (glosando Ferreira Gullar) o piano não foi inventado para humilhar o Brasil...
MARCUS PEREIRA
NAZARETH POR ARTHUR, ARTHUR POR NAZARETH.
Se ERNESTO NAZARETH e ARTHUR MOREIRA LIMA fossem contemporâneos, não tenho a menor duvida, seriam amicíssimos um do outro Arthur freqüentaria diariamente o cinema para ouvir o Nazareth tocando na sala de espera, e Nazareth não perderia uma apresentação de Arthur no Teatro Municipal. De vez em quando mudariam, Nazareth tocaria no Municipal e Arthur na sala de espera do Cinema Odeon.
Foi pensando nisso que sugeri ao Arthur e ao Marcus Pereira a edição deste álbum. Por que não formalizar de uma vez o tal encontro? Na definição do próprio ARTHUR MOREIRA LIMA, a musica de ERNESTO NAZARETH é “popular na intenção e erudita na forma, conteúdo e profundidade” A mesma coisa se pode dizer do interprete ele também é popular na intenção, um cara capaz de comprar um aparelho de radio potentíssimo somente para ouvir, em Viena, onde mora, com mais nitidez, o programa do Adelson Alvez que passa as madrugadas cariocas a transmitir musicas dos sambistas das escolas de samba e dos sanfoneiros nordestinos.
ERNESTO NAZARETH, nascido no Morro do Pinto (então Morro do Nheco) em 1863, era aquele camarada de classe media mais para baixa do que para alta, que não pode aperfeiçoar seus estudos de piano na Europa porque não tinha dinheiro, que perdeu o emprego de terceiro escriturário do Tezouro Nacional (salário 83$333) porque não sabia inglês, que vivia de vender suas musicas para as casas editoras da época, de dar aulas particular de piano, de tocar em casas de famílias, clubes, cinemas e nas próprias casas editoras (naquele tempo, essas casas tinham sempre um pianista a disposição da distinta clientela a fim de mostrar as musicas postas a venda)
Na sua cabeça, no seu coração e nas suas mãos de pianista, misturavam-se Chopin, Quincas Laranjeiras, Beethoven, Satyro Bilhar, Liszt, Anacleto de Medeiros, etc. Enfim, era um artista que, depois de executar a mais sofisticada musica erudita, metia-se numa roda de tocadores de choro, naquele mundo de ferroviários, soldados, carteiros, guardas municipais e operários do Arsenal da Marinha – tão bem descrito por Alexandre Gonçalves Pinto em seu livro “O Choro”. A propósito desse livro – hoje, uma preciosidade pelas informações e pela raridade – é bom que se saiba que Alexandre Gonçalves Pinto era um humilde funcionário publico e tocador de cavaquinho, que um dia, não se sabe como, conseguiu recursos para publicar tal livro, feito na base de pequenas biografias de quase 300 instrumentistas de choro do fim do século passado e do principio deste. Alexandre não era propriamente um escritor e por isso o livro é aberto com uma carta de Catulo da Paixão Cearense: “O prefácio que me pediste para teu livro fica para uma outra vez. Não te posso ser útil nas correções dos erros, porque só uma revisão geral poderia melhorá-lo, o que é impossível depois de o teres quase pronto”.
Por tudo isso, é interessante que se transcreva aqui o que disse Alexandre Gonçalves Pinto de Ernesto Nazareth: “As harmonias feitas por ele eram um hino ao céu. Tocou em grandes salões (o livro é de 1936 e ERNESTO NAZARETH morreu em 1934), onde sabia portar –se como “gentleman” dotado da família, onde tocasse fazia logo camaradagem, ficando logo intimo, como se fosse um conhecimento longo. Tocou em muitas festas, em que se achavam os grandes chorões como ele, que também fizeram seus esplendores nos bailes desta capital como sejam J. Christo, Costinha, Chiquinha Gonzaga, Paulino do Sacramento, e todos os outros que não me vem a mente, pois foram em grandes quantidades destes chorões da velha guarda, que infelizmente já não existem”.
ARTHUR MOREIRA LIMA, irmão de ERNESTO NAZARETH no amor a musica e as coisas do povo, também, onde toca, faz “logo camaradagem, ficando intimo, como se fosse de um conhecimento longo”. E discute futebol e conta a ultima anedota, e fala da musica popular etc e tal.
E que coisa maravilhosa ouvir ARTHUR MOREIRA LIMA tocando ERNESTO NAZARETH! Só um cara como ele, que faz do piano uma extensão do corpo e da alma e que guarda dentro de si aquela saborosa e genuína bossa carioca, poderia proporcionar a emoção que causam esses discos. Porque – que me desculpem as pessoas mais sizudas – para se tocar ERNESTO NAZARETH, a técnica é importantíssima, mas a bossa é fundamental.
SERGIO CABRAL
LADO A
FON FON! – tango
CONFIDENCIAS - valsa
RETUMBANTE - tango
FACEIRA - valsa
TURUNA -tango
AMENO RESEDA - polka
LADO B
BATUQUE -tango
CORAÇÃO - valsa
DUVIDOSO - tango
TURBILHÃO DE BEIJOS - valsa
LABIRINTO - tango
APANHEI TE CAVAQUINHO - polka
LADO C
FAMOSO -tango
FIDALGA - valsa
FLORAUX -tango
NENE -tango
MERCEDES – mazurca de expressão
ODEON - tango
LADO D
BREJEIRO - tango
EPONINA - valsa
ESCOVADO - tango
PASSAROS EM FESTA - valsa
SARAMBEQUE - tango
VEM CÁ BRANQUINHA - tango
VOCE BEM SABE – polka lundu
Estes discos foram gravados em maio de 1975, no BISHOPSGATE HALL, pelo estúdio “SUTTON SOUND” em Londres.
COMPRAR
Discos Marcus Pereira
MPA 2009
Duplo
1975
O poeta francês Blaise Cendrars quando esteve no Brasil, em 1924, disse a Mario de Andrade – tão logo se inteirou da excelência da nossa cozinha – que nós tínhamos cultura própria. Exultamos, não porque a Europa se tivesse curvado mais uma vez, ate porque os continentes não se curvam inclusive por impossibilidade física, mas porque a Europa aplaudiu. E Mario de Andrade comentou: teríamos, se quiséssemos. A tese do grande poeta lhe vinha da experiência e garantia que jamais conhecera um povo que, possuindo cozinha nacional, não possuísse cultura própria também. O fato é que uma realidade cultural que não existe dinamicamente, parece não existir e tende a desaparecer, principalmente depois que a cultura passou a ser objeto de consumo, produzindo lucro como as margarinas e os aviões F 5E. Por isso, não basta termos uma cultura própria, pois – na verdade – para a termos, é preciso, antes de tudo, que a queiramos ter, como disse Mario de Andrade, a quem imagino comentando “alem do povo, não estou vendo muita gente querendo, não”. Realmente, neste “Brasil estrangeiro”, (J.R Tinhorão), a cultura nacional é mais uma potencialidade do que uma realidade. E potencialidade, como se sabe, não agüenta desaforo.
Perguntaram-me, recentemente, se o modelo brasileiro de musica de exportação não seria o modelo Sergio Mendes – e a pergunta se apoiava no seu sucesso no mercado norte americano. Respondi, firmemente apoiado no som do “Quinteto Armorial”, que o exemplo apresentado era um exemplo de capitulação não a uma cultura mais rica, mais a uma cultura mais poderosa.
Estes discos representam a mais genuína cultura brasileira, como a goiabada-cascão das irmãs Alves, de Tietê. E nasceram de um encontro que tive com Arthur Moreira Lima, na casa de Sergio Cabral quando – para espanto dos nossos paladares – nos foi servido um bobó de camarão absolutamente inacreditável. Combinamos a gravação deste discos, sugestão que Sergio havia feito a Arthur, quando entrevistara para o “Pasquim”. Eles revivem Ernesto Nazareth, na interpretação magistral dos “ágeis dedos de feltro” de Arthur Moreira Lima, como diz Eurico Nogueira França no texto que acompanha estes discos, cuja leitura recomendo, com veemência. Revive também o piano, através de Arthur Moreira Lima, pianista patrício conhecido no mundo inteiro. Afinal (glosando Ferreira Gullar) o piano não foi inventado para humilhar o Brasil...
MARCUS PEREIRA
NAZARETH POR ARTHUR, ARTHUR POR NAZARETH.
Se ERNESTO NAZARETH e ARTHUR MOREIRA LIMA fossem contemporâneos, não tenho a menor duvida, seriam amicíssimos um do outro Arthur freqüentaria diariamente o cinema para ouvir o Nazareth tocando na sala de espera, e Nazareth não perderia uma apresentação de Arthur no Teatro Municipal. De vez em quando mudariam, Nazareth tocaria no Municipal e Arthur na sala de espera do Cinema Odeon.
Foi pensando nisso que sugeri ao Arthur e ao Marcus Pereira a edição deste álbum. Por que não formalizar de uma vez o tal encontro? Na definição do próprio ARTHUR MOREIRA LIMA, a musica de ERNESTO NAZARETH é “popular na intenção e erudita na forma, conteúdo e profundidade” A mesma coisa se pode dizer do interprete ele também é popular na intenção, um cara capaz de comprar um aparelho de radio potentíssimo somente para ouvir, em Viena, onde mora, com mais nitidez, o programa do Adelson Alvez que passa as madrugadas cariocas a transmitir musicas dos sambistas das escolas de samba e dos sanfoneiros nordestinos.
ERNESTO NAZARETH, nascido no Morro do Pinto (então Morro do Nheco) em 1863, era aquele camarada de classe media mais para baixa do que para alta, que não pode aperfeiçoar seus estudos de piano na Europa porque não tinha dinheiro, que perdeu o emprego de terceiro escriturário do Tezouro Nacional (salário 83$333) porque não sabia inglês, que vivia de vender suas musicas para as casas editoras da época, de dar aulas particular de piano, de tocar em casas de famílias, clubes, cinemas e nas próprias casas editoras (naquele tempo, essas casas tinham sempre um pianista a disposição da distinta clientela a fim de mostrar as musicas postas a venda)
Na sua cabeça, no seu coração e nas suas mãos de pianista, misturavam-se Chopin, Quincas Laranjeiras, Beethoven, Satyro Bilhar, Liszt, Anacleto de Medeiros, etc. Enfim, era um artista que, depois de executar a mais sofisticada musica erudita, metia-se numa roda de tocadores de choro, naquele mundo de ferroviários, soldados, carteiros, guardas municipais e operários do Arsenal da Marinha – tão bem descrito por Alexandre Gonçalves Pinto em seu livro “O Choro”. A propósito desse livro – hoje, uma preciosidade pelas informações e pela raridade – é bom que se saiba que Alexandre Gonçalves Pinto era um humilde funcionário publico e tocador de cavaquinho, que um dia, não se sabe como, conseguiu recursos para publicar tal livro, feito na base de pequenas biografias de quase 300 instrumentistas de choro do fim do século passado e do principio deste. Alexandre não era propriamente um escritor e por isso o livro é aberto com uma carta de Catulo da Paixão Cearense: “O prefácio que me pediste para teu livro fica para uma outra vez. Não te posso ser útil nas correções dos erros, porque só uma revisão geral poderia melhorá-lo, o que é impossível depois de o teres quase pronto”.
Por tudo isso, é interessante que se transcreva aqui o que disse Alexandre Gonçalves Pinto de Ernesto Nazareth: “As harmonias feitas por ele eram um hino ao céu. Tocou em grandes salões (o livro é de 1936 e ERNESTO NAZARETH morreu em 1934), onde sabia portar –se como “gentleman” dotado da família, onde tocasse fazia logo camaradagem, ficando logo intimo, como se fosse um conhecimento longo. Tocou em muitas festas, em que se achavam os grandes chorões como ele, que também fizeram seus esplendores nos bailes desta capital como sejam J. Christo, Costinha, Chiquinha Gonzaga, Paulino do Sacramento, e todos os outros que não me vem a mente, pois foram em grandes quantidades destes chorões da velha guarda, que infelizmente já não existem”.
ARTHUR MOREIRA LIMA, irmão de ERNESTO NAZARETH no amor a musica e as coisas do povo, também, onde toca, faz “logo camaradagem, ficando intimo, como se fosse de um conhecimento longo”. E discute futebol e conta a ultima anedota, e fala da musica popular etc e tal.
E que coisa maravilhosa ouvir ARTHUR MOREIRA LIMA tocando ERNESTO NAZARETH! Só um cara como ele, que faz do piano uma extensão do corpo e da alma e que guarda dentro de si aquela saborosa e genuína bossa carioca, poderia proporcionar a emoção que causam esses discos. Porque – que me desculpem as pessoas mais sizudas – para se tocar ERNESTO NAZARETH, a técnica é importantíssima, mas a bossa é fundamental.
SERGIO CABRAL
LADO A
FON FON! – tango
CONFIDENCIAS - valsa
RETUMBANTE - tango
FACEIRA - valsa
TURUNA -tango
AMENO RESEDA - polka
LADO B
BATUQUE -tango
CORAÇÃO - valsa
DUVIDOSO - tango
TURBILHÃO DE BEIJOS - valsa
LABIRINTO - tango
APANHEI TE CAVAQUINHO - polka
LADO C
FAMOSO -tango
FIDALGA - valsa
FLORAUX -tango
NENE -tango
MERCEDES – mazurca de expressão
ODEON - tango
LADO D
BREJEIRO - tango
EPONINA - valsa
ESCOVADO - tango
PASSAROS EM FESTA - valsa
SARAMBEQUE - tango
VEM CÁ BRANQUINHA - tango
VOCE BEM SABE – polka lundu
Estes discos foram gravados em maio de 1975, no BISHOPSGATE HALL, pelo estúdio “SUTTON SOUND” em Londres.
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