segunda-feira, 17 de março de 2008

ROMANCE DE UM HOMEM RICO CAMILO CASTELO BRANCO LUSITANIA



CAMILO CASTELO BRANCO ROMANCE D`UM HOMEM RICO

COLEÇAO LUSITANIA

LELLO & IRMAO EDITORES
Rua das Carmelitas, 144 – PORTO.



PROLOGO DA TERCEIRA EDIÇÃO
-este foi o mais querido dos meus romances. C. Castelo Branco. Prefacio da 2º edição do Romance de um homem rico.

Quando Camilo Castelo Branco escrevia no seu livro dilecto esta sentença: - “O homem não acha em si os alívios da razão quando os vícios lha degeneram”, estava julgando a sua própria alma no tribunal austero da consciência.
Não vejamos nisto censura, os melindrosos por conta alheia.
O romancista, se não é um armador de encomenda, um preparador de efeitos, um pintador de cenários, um arranjador de visualidades, se sente como escreve, ao menos quando escreve, encarnando-se nos seus personagens, reconhecendo em si as paixões que lhes reconheceu ou que lhes atribuiu, e com eles ama, odeia, chora ou blasfema, faz como o sábio, o mártir da medicina, que, para se convencer e não falsear a ciência que professa, muita vez se envenena ou se dilacera.
Camilo era aqui o pensador, o filosofo, o analisador frio do seu excepcional espírito, ora embaciado, a ponto de não ver distintamente o objectivo da sua cogitação, ora transparente e brilhante, a dar-lhe lúcida a verdade, fosse onde fosse o esconderijo dela, fosse qual fosse a distância em que demorasse.
Se o romancista é mestre, o escritor é artífice; se é arte, se é acto impulsivo, o romancista é poeta.
Quando Camilo Castelo Branco escrevia no seu romance mais querido: - ”Não sei se haja aí outros incentivos que me chamem aos olhos as lágrimas do coração. Quem me quiser ver chorar e vibrar de não sei que veemente e religioso entusiasmo, conte-me casos da natureza daqueles; faça-me acreditar na existência de umas almas que vão entender-se com Deus por um raio esplendoroso da graça divina”, declarava-se não mesteiral mas poeta, e denunciava o gênero da sua poesia.
É como quem diz: - o sintoma da sua doença.

Pois não tem sido apodados de – loucos – os poetas? Se loucura é a desconformidade de actos ou de sentimentos com as regras da fria razão, pautadas e articuladas no código do senso-comum, vamos, que não tem os poetas muito de que se molestem no conceito da grande maioria dos seus contemporâneos; e mesmo da dos vindouros, os que deixam de si algum rasto de fátua fosforescência na travessia longa ou curta da sua derrota.
Loucura lúcida, mas loucura incontestável; loucura impulsiva e incurável, nem sempre sem perigo para a sociedade, que os aplaude e os escarnece, conforme a altura em que lhe vai a digestão.
A loucura de Tasso denunciada em vida, a de Petrarca reconhecida agora, a de Camões sentida sempre, então e hoje, a de Chatterton que se mata, a de Dante que se vinga, a de Vitor Hugo que se contorce e conspira, a de Homero que mendiga e canta, a de Jeremias que profetiza e chora, loucuras foram; por mais que os poetas de hoje queiram malsinar aqueles homens de ajuizados, na própria defesa, estulta, egoísta e cobarde.
Produziram prodígios, mas o prodígio é produto abortivo ou monstruoso; não cabe nas leis da normalidade.
Alguns tem conseguido furtar ao teatro anatômico da critica os vestígios do corpo de delito; é certo. Virgilio, por exemplo, e Horácio, que se constituíram rouxinóis de Mecenas e de Augustos, poetas cesáreos, - os Metastásios do Império, um, inventando geanologias realengas:

“Mecenas atavis aedite regibus.”

Outro, cantando apoteoses divinas:

“Deus nobis haec otia fecit”

Era o utilitarismo, já então moderando a loucura do gênio e segredando-lhe estrofes acomodatícias.
Desde sempre, e felizmente, andou o são juízo a enxertar-se no gênio. Raras vezes pegou a enxertia; é certo.
O gênio não é só o demônio incubo dos poetas, e demônio recalcitrante ao exorcismo; torna-se neles mais patente, porque, sob aquela forma,estrondeia, sem perigo de morte, e luz, sem perigo de incêndio; ao menos – aparente. O gênio expõe-se o sábio de qualquer gênero a todos os perigos; - Arquimedes deixa-se matar para não interromper a resolução de um problema; Galileu ousa afrontar as letras sagradas e só consegue apagar a fogueira de um auto-de-fé por um acto de fé, ou de prudência; Giordano Bruno é queimado diante do Vaticano, exactamente onde hoje se lhe levantou um monumento; Pasteur escapou da fogueira porque já nasceu no bom tempo, mas inoculando em si o vírus-rábico expôs-se a morrer da pior das mortes; Daniel Carrion inocula o sangue da verruga persiana para ver se era violenta a doença, e morre da experiência; Parkinson inocula o lúpus, expondo-se, - herói sem hinos! - `a morte, pela humanidade; outro aproxima-se de uma cratera para devassar os segredos da erupção vulcânica.
Quantos insensatos!
Se depois da loucura da ciência quiser alguém percorrer a da religião, - S. Macário, S. Simeão I stilita, Santo Antonio, as alucinações dos êxtases em que se vê Deus e os céus, o gênio das profecias, a inspiração dos apóstolos, a coragem alegre dos mártires, que exuberâncias de loucura, que degenerescências patológicas, provadíssimas, incontestáveis, não esta patenteando a ciência nos estudos das suas extensíssimas sintomatologia?
E os impusos irresistíveis que a honra e a gloria inspiram!...
A gloria! A honra... mas que são honra e gloria? São também uns sentimentos, umas aspirações, umas loucuras, umas desconformidades com as regras da fria razão, pautadas e articuladas com as regras do senso-comum. Produzem as monstruosidades de Alexandre até escandalizarem Herculano, porque vomitaram metralha contra os povos seqüestrados ao convivo dos outros povos do mundo, andaram, com graves perigos, nas sondagens dos mares por cima dos quais hoje passa livremente o comercio, por baixo dos quais hoje se assenta o telegrafo.

Porem onde me levaria este incidente a respeito de loucuras do gênio se não tivesse necessidade de volver os olhos ao livro do meu querido Camilo? Muito longe, decerto, porque me diz a consciência que tenho estado fugir de colocar na classe dos loucos o nosso prezado romancista e poeta. É tão grave conjectura, mesmo que só por conjectura eu tenha de o meter nesta companhia, que me vi forçado a provar-me que a companhia pode ser de gente desafortunada, mas é provadamente ilustre.
Nunca a fria razão, nunca o senso-comum fizeram coisa que não fora fria e comum. Excelentes caixeiros e guarda-livros do comercio, excelentes fornecedores, ou chefes de administração militar, na guerra, excelentes oficiais da fazenda, na marinha, professores, sacerdotes (para cônegos, não para missionários), juizes magníficos ecônomos e descobridores de pechinchas – o espírito conservador – os wychnú da sociedade, os bagageiros da marcha. Importantíssimo, imprescindível serviço essa gente de são juízo e razão fria, mas, por conselho dela, nem defenderia o filho contra a fera, nem o bombeiro voluntário defenderia o inválido contra as chamas, nem o barqueiro salva vidas defenderia o naufrago, contra as ondas. Temperatura igual e morna; - a selvageria tropical, primitiva, tendo Sancho na presidência e o velho Camões no conselho de estado.
O senso-comum até, por concessão transitória – sagaz bom velho! – já criou, para iludir e desnortear poetas e romancistas, uma literatura; em ódio as artes, uma arte, em ódio ao gênio, engenhos. Louvável empenho na verdade. Vê doenças graves e pretende cura-las; vê examear a loucura, a mais grave das moléstias, e com ela esgota sua terapêutica. Benemérito desejo! Mal será se a cura for pior que a doença.
De muito dizer-se ao teórico: - sê pratico! – faz-se dele as vezes um ladrão, às vezes tudo isto, com prendas variadíssimas.
De muito se acusar o sentimentalismo de Lamartine e o romantismo de Chateaubriand, nasceram Baudelaire e Zola; - um grande poeta e um grande romancista...contrafeitos; e com eles – o satanismo e o naturalismo; porem – naturalismo – de mesa de autopsia ou de laboratório químico.
Faz-me tristeza pensar, - escreveu Camilo num dos prefácios do seu AMOR DE PERDIÇAO, - faz me tristeza pensar eu que floresci nesta futilidade da novela quando as dores da alma podiam ser descritas sem grande desaire da gramática e da docência. Usava-se então a retórica de preferência ao calão. O escritor antepunha a freqüência de Quintiliano à de do colete-encarnado, a gente imaginava que os alcouces não abriam gabinetes de leitura e artes correlativas. Ai! Quem me dera ter antes desabrochado hoje, com os punhos arregaçados para espremer o pus de muitas escrófulas à face do leitor! Naquele tempo, inflorava-se a pústula; agora, a carne com vareja pendura-se na escápula e vende-se bem, porque muita gente não desgosta de se narcizar num espelho fiel....................
Já não verei onde vai desaguar este enxurro que rola no bojo a Idéia Novíssima. Como a honestidade é a alma da vida civil e o decoro é o nó dos liames que atam a sociedade, lembra-me se vergonha e sociedade ruirão ao mesmo tempo por efeito de uma grande revolução rigolboche.

A republica das letras, tão ilustrada e ilustre, histérica, porque é feminina, e devendo ser democrata, porque é republica, faltavam o tom e o vocabulário ultra ou infra-humanos da cerimônia. A grande dama era talvez um tanto preciosa e afidalgada; pois bem; para que se mostrar acomodatícia, ao arrancar-se dos altos coturnos, entendeu que o melhor era ficar sem meias, como na Grécia e na Judéia, não lavar mais os pés; imitação de Santo Antonio, segundo o testemunho de Maudsley.
Não se modificou – transfigurou-se; o que, longe de provar juízo prova só mais uma degenerescência patológica da mesma doença.
Para que tentar esta cura? Se não fosse inútil seria prejudicial. Na Fedra pos Platão na boca de Sócrates: - “Os maiores bens são produzidos por um delírio inspirado pelos Deuses”. – O – Est Deus in nobis, - que traduz, senão a loucura do gênio? De Cristo escreveu S. João: - “Ele é possesso do demônio e esta fora do senso-comum, para que o escutais?”.
Feliz culpa esta do desvario genial, quando pode, em bem, em honra ou em gloria da humanidade exaltar a fantasia, depurar os instintos, aprimorar os sentimentos. Impulsar o estudo, agitar, excitar e electrizar a atmosfera social, varrendo delas as miasmas pútridas desse positivismo absorvente e sufocante que paira e pousa sobre os povos como as nevoas densas da palude.
Tremenda culpa, se, nascido no charco, atrai, como os nenúfares, pela sua beleza, e, simulando em volta de si chãs floridas e aromáticas, toma, enreda, enlaça e asfixia a descuidada gente que se lhe aproxima.
Para alguma coisa fez Deus as flores dos campos e as aves dos arvoredos. – A música, os perfumes, os matizes, a transparência do éter, as alegrias e as saudades; tudo tão sem cotação nos mercados, sem aplicação culinária nem apropriação invariável! E, contudo, patrimônio de todos.
Num livro adorável de Octavio Feuillet, livro que se dignou traduzir para português o nosso grande romancista, diz uma velha fidalga a uma rapariga nervosa que pretendia simular de positivista: - “De mim digo que nunca me vangloriei de ser pessoa muito romanesca, mas folgo de crer que ainda há na terra alma capaz de sentimentos generosos, creio no desinteresse, creio até no heroísmo, porque tenho conhecido heróis. Alem disso apraz-me ouvir chilrear os passarinhos no meu caramanchão e também me apraz edificar minha catedral nas nuvens que passam. Tudo isso pode ser que seja ridiculissimo, minha formosa menina, mas ouso lembrar-lhe que estas ilusões são os tesouros do pobre; que este senhor e eu não temos outros e que temos singularidade de nos não lastimarmos”...

Tristíssimo.
Assim vive, - se é vida esta dilaceração angustiosa mil vezes pior que a morte, - o nosso grande romancista, a hora em que escrevo estas linhas. Muitas vezes sufoca-o a dor, e ele pede em júbilos que a morte lhe venha num espasmo. Os seus raros e curtos sonos trazem-lhe pesadelos aflitivos; por isso pede muita vez que o não deixem dormir. Acorda com gritos lancinantes, estendendo convulsivamente os braços a procura da mão veladora...
Meu pobre amigo!
...vive hoje em Benfica, em país primaveral; numa casa cheia de confortos e de luz, do seu e meu amigo Barjona de Freitas. Ali o visitam os seus mais íntimos, esperando a cada momento vislumbres da nova luz que lhe faça esquecer tão fundos e tão prolongados tormentos.
Quantas vezes têm ele repetido:
-“Que eu veja! Pouquíssimo embora! O absolutamente indispensável para poder trabalhar, e encerrem-me, por toda a vida, no cárcere onde escrevi O ROMANCE DE UM HOMEM RICO!”.
Carnaxide, 1 de julho de 1889.
Tomás Ribeiro


“Passaram três dias sem me eu lembrar que era delicadeza, se não dever, despedir-me do meu gasalhoso amigo: tão dulcificante me era aquele remançoso descanso do corpo e sossego do espírito”

“Disse bem, meu amigo: Mal daquele que foge do mundo, e se refugia em si. Não andaria melhormente avisado o naufrago que, escapado do mar alto, entender-se que o salvar-se estava em ser revessado contra os penhascos das costas. Antes prolongar a agonia na esperança de uma vela salvadora que nos pode chamar e reanimar para maior esforço. Antes esvaziar o cálix da injustiça humana, sem o repelir, esperando que o Senhor dos mundos se amercie do seus répteis, ocasionando-lhes um dos imprevistos encontros, que lá estão delineados na sabedoria divina.”

“É vinda a hora da acção, e frouxo há-de ser o traslado, não há conta de o termos escassamente debuxado na idéia, mas é que o desenho de Maria da Gloria, ao dizerem-lhe que entrara o filho no pátio do mosteiro, não há faz a linguagem, e só o pincel de artista de sentir delicado o tiraria a limpo.”

“Temo que me chamem milagreiro, e tomem este livro como aditamento à Flor dos Santos de Ribadeneira. Não quero semelhante nota. Vou demonstrar que sóror Joana das Cinco Chagas do Senhor não fazia milagres: antevia unicamente, com os olhos de sua virtuosíssima alma, as conseqüências do que já sabia. Saiba também o leitor que este romance, por ter o mérito da verdade, pouco tem que fazer: é a natureza que o faz”.

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Um comentário:

Anônimo disse...

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