LP LUZ NEGRA NACIONAL
1988
SOMLIVRE 4020019
O negro desembarcou na terra promissora das Américas agrilhoado no porão dos navios. Mas não permaneceu numa posição cultural subalterna. Aos poucos a música negra foi se infiltrando pelas frestas ca cultura dominantes até modificar por completo a situação e transgredir a hierarquia de valores estabelecida pelo poder económico.
Hoje é possível contemplar o sólido edifício musical do jazz como um projeto musical autônomo, em permanente reciclagem. O rock nasceu exatamente de um casamento proibido pela segregação racial: o country caipira dos brancos deserdados, entrelaçado ao blues dos negros plantadores de algodão. Partindo da América Central, o calipso, o cha cha cha, o reggae, o mambo, a valsa e as inúmeras transfusões de ritmos calientes e letras pertubadoras alimentam há anos as fornalhas das pistas de dança do mundo todo.
No Brasil, na casa das matriarcas tias baianas aclimatadas no centro do Rio no início do século, cozinhou-se em fogo esperto o que seria uma profusão de batuques dos terreiros com a umbigada semba, trazida da África. Do trivial variado do lundu, ao sassarico de salão do maxixe até chegar ao samba já infiltrado no sopé dos morros pelos bambas articulados do Estácio. Um ritmo que virou escola, tornou-se identidade do país do futebol e do carnaval: produto industrializado casou-se ao jazz e aos clássicos na exportável bossa-nova, gerada nos apartamentos da metrópoles.
A música negra não ficou no samba apesar de suas inúmeras vertentes de gafieira, terreiro, breque, enredo, canção, partido alto ou exaltação. Do sortido sotaque nordestino ao cancioneiro sulista; das franjas nortistas aparentadas ao merengue aos afro-blocos baianos trieletrizados, há sempre um canto negro em cada ponta do novelo da música nacional. Ancestrais pioneiros, engravatados flautistas, roqueiro de jeans e camiseta; há sempre uma tintura negra a serviço dos timbres mais coloridos de planeta. "Negro é a soma de todas as cores", já dizia o poeta Gil que neste roteiro despacha um reggae indignado contra o apartheid sul-africano. "É preciso ter raça, é preciso ter gana mesmo", emenda Milton Nascimento com a pungência dos bronzes mineiros. Ou Nervos de Aço como admite, tratando da questão amorosa, o gaúcho Lupicinio Rodrigues através de seu porta-voz (e que voz!) Jamelão.
O clamor de outras vozes - as da seca - ressoa na sanfona do rei do baião Luiz Gonzaga, enquanto Jackson do Pandeiro mistura Chiclete com Banana na mesma proporção em que o inventor da fusão samblues, Jorge Bem, traduz para o jeitinho brasileiro o slogan da era dos Pantera, black is beautiful. Martinho da Vila abre as alas para a escola de samba dissidente Quilombo, com um enredo dos escolados Nei Lopes e Wilson Moreira, Sala de Recepção do samba de morro. Paulinho da Viola questiona a marginalização do sambista "nesta terra de doutor".
Todas essas veias abertas injetam no canto, no toque, no gesto brasileiro o traço negro: o urbano Djavan (Meu Bem Querer), mãe Clementina de Jesus em visita a zona rural (Moro na Roça) e um Pìxinguinha a parte do choro, em aliança com o batuque na cozinha do candomblé do ritmista João da Bahiana (Yaô). Claro como o Ébano de Luiz Melodia. Tal como outro bardo de rua, o boêmio Nelson Cavaquinho inventou de cantar, acompanhado da Divina Elizeth, na luminosidade ofuscante de sua singular Luz Negra - a que ilumina o teatro sem cor para a evolução alfita dos palhaços do amor. Todos nós, raça humana.
TÁRIK DE SOUZA
A
RAÇA Milton Nascimento
MEU BEM QUERER Djavan
ORAÇÃO PELA LIBERTAÇÃO DA AFRICA DO SUL Gilberto Gil
CHICLETE COM BANANA Jackson do Pandeiro
AO POVO EM FORMA DE ARTE Martinho da Vila
14 ANOS Paulinho da Viola
NEGRO E LINDO Jorge Bem
B
EBANO Luiz Melodia
NERVOS DE AÇO Jamelão
VOZES DA SECA Luiz Gonzaga
SALA DE RECEPÇÃO Cartola
MORO NA ROÇA Clementina de Jesus
YAO Pixinguinha, Clementina de Jesus e João da Bahiana
LUZ NEGRA Elizeth Cardoso
Tienda Cafe Con Che
Porque é Imprescindível Sonhar
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