segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

FERNANDO LOBO PRA VIAGEM



FERNANDO LOBO PRA VIAGEM
Desenhos de AUGUSTO RODRIGUES

Ensaio Editora

1º Ediçao
ISBN8585365013

94p

E lá vai Fernando Lobo, montado no Cometa Vassourinha e voando por cima do Arco-Íris.


O CAMELÔ


Sempre fui de muita pressa, de andar correndo, de querer beber o tempo todo e as horas com uma sofreguidão espantosa. Sei bem o porquê dessa velocidade que me fez boêmio, de querer a noite e as madrugadas de olhos abertos, como quem quer aproveitar da vida seu pedaço inteiro. Talvez porque, certa vez, uma professora da minha cidade tenha olhado a linha da vida de minha mão e afirmado que eu não passaria dos vinte. Tratei de viver meu tempo, de correr minhas horas sem fazer do sono uma constante. Varei o que havia de espaço permitido e, quem sabe, por esquecimento, a linha falhou na afirmativa de que a sua dimensão era o nosso tempo determinado para ficar.
Por isso nunca fui de ver vitrines nem de parar para espiar aviões, ou mesmo de virar o rosto se o transeunte trazia qualquer coisa exótica. Não. Ou por outra, minto um pouco, pois sempre fui espectador fiel do camelô. Quando o escuto, sinto a presença de qualquer coisa sobrenatural que me fala de lugares distantes, talvez por força daqueles objetos ou produtos que nunca estão no mercado comum. São mercadorias sem selo, com um certo toque de contrabando, sabor gostoso para quem tem, como eu, essa alma cigana e esse pontinho anárquico dentro do peito. E o escuto como a um sábio.
Comprei todas as suas ofertas que não trazem o travo da inflação: o avião de papel, o abridor de latas que é também chave de fendas, a caneta “três em uma” que escreve com sete tintas, naftalinas inglesas e outros artigos para presentes, como costuma anunciar. A rapidez de suas frases, a sua presença alegre, as mãos leves e hábeis como dos mágicos. Isso! Eles são mágicos, e muitos embora eu seja um comprador constante, tenho, por experiência, a certeza de que seus artigos nem sempre funcionam, como aqueles descascador de batatas que transforma o trivial tubérculo numa flor, ou o ratinho que, solto ao chão, dispara numa carreira só. Mesmo assim sou seu freguês certo, pois o que ele me dá é uma sensação de sonho, de mundo novo que meus olhos não conheciam, a inexplicável presença de uma certeza que não sei bem o que seja. E isso cresceu ainda mais dentro do meu peito quando certo dia encontrei um camelô que não vendia objetos: vendia passos de tango argentino. Isso mesmo! E ao som da vitrolinha de pilhas ensinava seus ARRABALEROS, enquanto oferecia um livrinho onde estavam estampados os passos, em desenhos. Esse não temia o “rapa”. Correria fácil dele, ao som do tango...
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