SAULO RAMOS CAFÉ
(A POESIA DA TERRA E DAS ENXADAS)
Editora Expressão e Cultura
ISBN 8520803261
2002
148 pags
Saulo Ramos é um grande poeta. Seu “Recado ao caseiro”, publicado em 1985, é um dos melhores poemas já escritos em língua portuguesa. Sua fidelidade à poesia, marca de sua vida inteira, neste livro tem a duração dos tempos.
Continua escrevendo poemas.(José Sarney)
“Saulo Ramos” [Café (A poesia da terra e das enxadas)] é o primeiro poeta nosso a buscar inspiração exclusivamente no produto mais nobre de sua terra. Na França canta-se o vinho e o trigo, canta-se fado nas coxilhas, canta-se o carvão na Inglaterra, a máquina nos Estados Unidos, mas nós nunca olhamos para a realidade de nosso país e continuamos a ignorar o rico tema do café” (Sergio Millet)
Dans la réalité la plus profonde se cachê la poésie, Saulo Ramos la prend par la main et ensemble ils parcoutent les chemins du monde. [Na realidade mais profunda se esconde a poesia, Saulo Ramos a pega pela mão e juntos eles percorrem os caminhos do mundo.] (Jorge Amado)
Saulo Ramos escreveu os poemas do livro Café (A poesia da terra e das enxadas) entre 14 e 16 anos de idade. Mas foi uma colheita de frutos maduros. Teve razão Guilherme de Almeida quando ao prefaciar a obra do então jovem escritor paulista, disse estar diante do primeiro livro de um poeta primeiro.
Foi publicado há quase 50 anos. E não envelheceu. Nesta nova edição o autor fez alguns retoques. Substitui alguns versos, reescreveu emoções. Exemplo disto está no poema “Fraternidade”, em que, de forma emocionante, invoca a gesta do Sargento Palheta cumprindo a missão de conseguir sementes de café na Guiana Francesa: “Vês? Um risco divide o grão: é tua uma metade, a outra é de teu irmão.”
A obra continua a mesma colorida festa das belezas da terra, dos enxadeiros, das lendas, dos antigos costumes da fazendas, do lirismo do poeta moço iluminado pela manhã a beira-mato, estremecido pela geada, alegre diante das floradas e da colheita da safra, panfletário contra a miséria dos lavradores, as tragédias das secas, comovido e comovente em momentos de romantismo puro, quando, por exemplo, escreve versos para sua mãe, que carregava lenha na roça, dizendo: “As nuvens de minha terra têm a marca de seus braços”. Ou, em contraste, pranteia a derrubada das matas, registrando o lamento: “Cada árvore caída é uma oração interrompida”.
FLORADA DO CAFÉ
Está verde.
O cafezal imenso
é um grande lenço
cobrindo, preguiçosamente, os montes,
alexandrinos que têm rimas de horizontes,
ah! Como é belo e como é triste o cafezal!
Folhas, que trocam confissões,
as mãos postas de soldados:
exército ajoelhados na missa campal
rezando preces para o vento e para o céus,
tributo de homens
à grandeza de Deus.
Está verde.
É o cabelo da Yara que saiu dos rios
para secar-se sobre a terra ensolarada
e que deixou em cada folha
o seu palácio de cristal...
...e o perfume de sua lenda
ficou eternamente
na cor do cafezal.
A terra é moça nova de pernas morenas,
que tem contorno morno nas ancas pequenas
arrepiada de amor e tentação.
Pois foi por isso que as raízes cor de sangue
enfiaram-se no chão,
num erotismo formidável,
sob os gritos da terra que se abria toda
em ânsias de loucura e de vontade
para dar-se ao amor
e rebentar de mocidade!
Os troncos, úteros fecundos,
sugaram toda seiva que estava na terra,
a seiva da riqueza vital
que, num dia de orgasmo universal,
Deus atirou no mundo
apaixonado pela natureza.
E no galho, que se embriagou de orvalho
desejando a presença de mãos calejadas,
no galho pesadão, o feto tomou forma
de mundo, de universo, de sol e de vida
e palpitou lá dentro estourando afinal...
...e sob o peso de uma abelha
inclinou-se a primeira flor do cafezal.
Outro estouro! Milhares de estouros! Milhões!
O cafezal parece uma panela verde
de pipocas arrebentadas
cobrindo os morros, todos os talhões,
as baixadas, os espigões
cheias de luas enroladas
na festa de perfumes
das flores das floradas.
A terra está orgulhosa, sonolenta, preguiçosa,
ainda machucada
de pancadas da enxada
sonhando com a hora de chover,
quando a chuva mansa irá dançar,
sobre o sulco de arado no chão,
que faz lembrar um arranhão
de uma noite de amor e de prazer.
Um véu de gaze branca
caiu de leve sobre o lenço verde
nuvem de espumas de cachoeira
lenda de perfume bom;
e o mundo inteiro reacendeu.
Ficaram pálidas de susto
as flores das laranjeiras
quando a lavoura de café vestiu-se de noiva
e o cabelo da Yara envelheceu!
Está florido.
O cafezal extenso, no espigão imenso,
parece um longo batalhão de pretos velhos
enfileirados e dobrados, com as costas nuas,
as cabeças pipocadas de luas.
De cada tronco,
de cada flor,
de cada pé,
essa pobre riqueza do Brasil,
na produção enorme do café.
Numa sala luxuosa, onde não entram
nem o sol, nem os ventos, nem a geada,
nem a seca e nem os calos de cabo de enxada,
os brancos leiloeiros de suor discutem
a tabela dos frutos das lavouras
e o preço das floradas!
Nessa terra de histórias e de lendas,
enquanto o cafezal dorme nas estatísticas,
nas divisas, nos bancos e nos cais,
nas mãos daqueles que nem viram cafezais,
repete-se a miséria das fazendas:
o caboclo sem nada,
uma casa de chão, um filho doente,
a pedra de amolar a enxada
e ele doente também.
O fazendeiro calculando a nova abotoação
com a eterna esperança no ano que vem.
Mas a lavoura continua branca,
Com perfumes e flores à espera do fruto,
a cabeça da Yara vestida de noiva
e esse instante da história vestido de luto.
Pouco importam, porém,
essas coisas que a vida tem,
importante é o cafezal florido
e diante de tanto colorido
a esperança é verde também.
ALMA DE CABOCLO
Minha alma ficou presa eternamente
aos trilhos enluarados do pomar,
ficou presa nos ganchos de uma rede
que deixei esticada na fazenda,
ficou enroladinha, bruscamente,
na linha de uma vara de pescar
madrugada azuis da terra verde
com fogueiras de estrelas e de lenda.
E ficou presa à sombra das paineiras,
agarrada à caneca de café,
à disparada dos cavalos bravos
com peito aberto ao vento das campinas.
Ficou presa ao perfil das bananeiras,
ao dia, quando o sol está de pé
pra sentir a manhã cheirando a cravos
nas brisas que cavalgam as colinas.
Ficou presa nas pernas das caboclas,
no batedor de roupa dos quintais,
nas crianças anêmicas e fracas
que caçam passarinhos a pedradas.
Ficou nas notas das sanfonas roucas,
e na verde manhã dos cafezais
que acorda ao barulhão das maritacas
com beijos de perfume das floradas.
Ficou tremendo o frio dos caipiras
carregados de fome e de maleita.
Ficou no cabo sujo das enxadas,
nos cafezais cobertos de cipós,
e na terra ferida de abandonos
na poeira da última colheita...
...Hoje minha alma anda nas estradas,
mais triste que um pássaro sem voz!
ADVINHAÇÃO
Nas figuras de café
nos pires de barro branco
estão as coisas futura:
bolas, linhas, quadros, cruzes.
Minha raça arrepiada
Fica olhando essas figuras:
casamento amor e morte,
riqueza, aviso e perigo.
Minha avó todos os dias
vai a um canto da cozinha
e “apaga um fósforo aceso”
na xícara de café.
Ali formam-se figuras,
nuvens de noites escuras...
Minha avó põe-se a soprar
aquelas coisinhas brancas
e fica um tempão soprando
vendo o “bicho” que vai dar.
Meu avô cafeicultor
perdeu a fazenda um dia.
Minha avó ainda tem fé
de ganhar tudo de novo
fazendo adivinhação
na xícara de café.
LENDA
Era uma vez
uma ovelha e um pastor.
A ovelha comeu as folhas
e o pastor provou o fruto.
Os dois ficaram encantados,
conheceram a mágica
de espantar o sono.
E, acordados, sonharam
mais clara
a força de viver.
Então as montanhas do Iêmen
e as terras da Etiópia
choraram lágrimas vermelhas.
E o milagre mais estranho
aconteceu na entranha da noite.
Aquelas que conheciam o pensamento
Já não dormiam mais
Porque a nova noite era feita de meditações.
Aí o homem compreendeu que,
para pensar longamente,
era preciso beber a noite.
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