segunda-feira, 8 de junho de 2009

EUGÊNIO EVTUCHENKO AUTOBIOGRAFIA PRECOCE BRASILIENSE 1984

Café Con Che © 2004
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EUGÊNIO EVTUCHENKO AUTOBIOGRAFIA PRECOCE
Brasiliense
1984
Tradução Yedda Boechat




A autobiografia de um poeta são seus próprios poemas. O resto é suplementar.
O poeta tem o dever de se apresentar aos leitores com seus sentimentos, atos e pensamentos, de coração aberto.
Para ter o privilégio de exprimir a verdade dos outros, ele deve pagar um preço: entregar-se, impiedosamente, à sua verdade.
Enganar lhe é vedado. Se desdobra a sua personalidade – de um lado, o homem real e, do outro, o homem que se expressa – se tornará estéril. É inevitável.
Quando Rimbaud tornou-se traficante de negros, agindo contra os seus idéias poéticos, deixou de escrever. Foi a solução honesta.
Infelizmente, nem sempre é assim. Alguns se obstinam em escrever mesmo quando sua vida não coincide mais com a sua poesia. Abandonando-os, a poesia se vinga. Mulher rancorosa, ela não perdoa a mistificação, nem mesmo as meias-verdades.
Diante de um espelho, que os homens digam, não quantas vezes mentiram, mas simplesmente, quantas vezes preferiram o conforto do silêncio.
Sei que eles têm um álibi, com certeza, inventado por seus similares: o silêncio é de ouro. A eles eu responderia: essa espécie de ouro não é pura. Esse silêncio é falso.
Isso é válido para todos os mortais, mas cem vezes mais ainda para os poetas, que devem expressar uma verdade concreta. Quando se começa por silenciar a sua própria verdade, acaba-se inevitavelmente por silenciar sobre as verdades, sofrimentos e infelicidades dos outros.
Durante muito tempo, os poetas soviéticos se recusaram a desvendar seus próprios pensamentos, suas contradições e a complexidade de seus problemas pessoais. Como conseqüência, emudeceram sobre aqueles que os rodeavam.
Houve uma época, após a Revolução, em que os poetas comunistas fundaram a “Associação da Cultura Proletária” e acreditando, ingenuamente, servir assim aos seus idéias, decidiram falar unicamente no plural. Com desespero, ruflaram os tambores do seu talento para abafar a pobreza do seu método.
Os seus sucessores escreveram na primeira pessoa do singular, mas continuaram a carregar o peso deste gigantesco acessório chamado: “nós”.
Prisioneiros forçados de seus artifícios, quando um deles dizia “eu amo” entendia-se que afirmava “nós amamos”!
Nesta época é que os nossos críticos literários engendraram a teoria do “herói lírico”. Diziam eles que o poeta deve cantar as virtudes superiores. Nas suas obras ele deve aparecer não como realmente é, mas como protótipo de homem perfeito.
Os adeptos dessa teoria escreveram muitas vezes acreditando produzir poemas autobiográficos. Em suas obras encontram-se o nome da sua cidade natal, a lista das regiões visitadas e outros detalhes pessoais. Mas essas poesias eram de tal maneira vazias que não se distinguiam umas das outras.
Ora, bem sei que alguns poetas possuíam talento bastante para se exprimir com maior beleza que outros. No entanto, o pensamento era estereotipado. O que distingue os seres humanos, não é a forma que emprestam ao seu modo de expressão, mas sim, a unidade do pensamento que expressam. Não é possível uma autobiografia que não seja reflexo fiel do que há de único e imitável em cada um de nós.
Não desejo rotular assim toda a poesia soviética. Não quero acusá-la de ter desnaturado o “eu” do poeta. Maiakovski sempre escreveu “nós”, mas era Maiakovski. O “eu” de Pasternak é, precisamente, o “eu” de Pasternak.
Poderia citar muitos outros poetas que tiveram o mérito insigne de conservar suas próprias individualidades durante esse período difícil, mas seus nomes pouco diriam aos leitores ocidentais.
A obra de um verdadeiro poeta é a imagem viva, palpitante, dinâmica e expressiva de seu tempo. Mas é, também, o seu auto-retrato permanente e total.
Se assim penso, porque teria me proposto a escrever este ensaio autobiográfico?
Porque os poemas se traduzem mal e porque, no Ocidente, em vez de conhecerem minha obra, são conhecidos apenas certos artigos, que refletem uma imagem minha muito diferente da realidade.
Pretenderam fazer de mim uma figura isolada, destacando-se, ao que parece, como um facho luminoso sobre o fundo cinzento da sociedade soviética.
Não sou, porém, essa figura.
Um grande número de homens soviéticos detesta com igual paixão tudo aquilo contra o que luto. As coisas preciosas para mim, o são, igualmente, para inúmeros companheiros soviéticos.
Sei da existência de homens capazes de marcar sua época por suas idéias pessoais. Trazem-nas para a sociedade como armas de combate. É a forma mais elevada da criação do espírito. Infelizmente não pertenço a esta categoria de criadores.
As idéias novas, os sentimentos novos que se encontram nos meus poemas, já existiam para a sociedade soviética muito antes que eu começasse a escrever. Na verdade ainda não haviam recebido uma forma poética. Mas se eu não o fizesse, um outro o teria feito.
Dirão que estou me contradizendo de uma página para outra; depois de ter exaltado o individualismo indivisível do poeta, eis que me apresento como um defensor das idéias coletivas.
É uma falsa contradição.
Creio que é necessário ter uma personalidade bem característica, bem determinada, para poder exprimir na própria obra o que há de comum em muitos homens.
Esta é a minha ambição como poeta. Gostaria de poder, durante a minha vida, imprimir aos meus poemas os anseios dos outros, sem renegar o meu próprio “eu”. Aliás estou convencido de que o dia em que perder esse “eu”, perderei também a faculdade de escrever.
Mas o que é meu “eu”?


Café Con Che © 2004


"Patria es Humanidad"

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