LP VILLA LOBOS GUIA PRATICO
ROBERTO SZIDON Piano
1964
EMI
SC10115
É preciso que ninguém se engane com esse título: GUIA PRÁTICO “Estudo Folclórico Musical”. O Guia Prático é, na realidade, suntuosa vitrina do cancioneiro do Brasil. Não importa que alguns dos seus elementos integrantes tenham transitado no México ou em Cuba, ou derivem da Ibéria, da França ou da África: sorte de todo folclore. É de pensar-se que em alguns desses números se inscreva a presença do modismo e peculiaridades do autóctone brasileiro, sempre quase indiscerníveis Villa Lôbos não pensou em criar miniaturas – que não são; respeita a medida dos cantos populares originais. Umas poucas vezes, um intermédio instrumental mais desenvolvido, como em “Na Corda da Viola”; ou compassos introdutórios concisos, porém da mesma eficácia caracterizadora dos das Cirandas, como em A Maré Encheu ou em Vida Formosa; e só. Na sua versatilidade evocatória, o Guia Prático é uma vitrina rumorejante de cantares e de rondas, de frescas auras de infância e de juventude, de nossa raça e de nossa terra, e não somente das recordações atinentes à idade biológica de cada um. Tudo ali canta e dança a saudade sem melancolia, reminiscências dum passado embebido de puro lirismo, desprendido de qualquer conjunturas históricas. Infantis, algumas dessas melodias, mas avivadas, na sua singeleza, por um toque ligeiro de arte, que engendra como uma atmosfera mágica. Outras, trazendo o encanto da distância, do recuo num passado que poderá não ser o nosso, pessoal, mas que é o de uma época, de várias épocas, por vezes de incontrolável fixação cronológica. Villa-Lôbos é explicito: menciona “cantigas infantis populares cantadas pelas crianças brasileiras”, mas também “cânticos e canções”. Inscreveu Afrânio Peixoto no limiar da obra: “um bouquet de cantigas de todos nós, ontem e hoje...” Villa-Lôbos já compusera (este Guia Prático é de 1930) em 1925 as suas Cirandinhas e, no ano seguinte, o ciclo das 16 Cirandas, estas representando a magnificação daquelas pecinhas delicadas e simples. As Cirandas são de surpreendentes variedade expressiva, duma escala suntuosa de cores e nuanças, cada uma um quadro completo, no qual a canção não é meramente engastada, como em jóia, porém envolta em atmosfera emocional, ou incorporada numa paisagem de alma. Não busca desenvolver um tema, porém situá-lo num momento de poesia, ardente ou extática. A isso, numa intuição estupenda, chamou Villa-Lôbos “ambientar” a melodia. No caso do Guia Prático, porém, não pensou em criar para cada canção uma obra de que “o documento folclórico” fosse o âmago ou a culminação; não se permitiu ampliar o quadro, a paisagem sonora: ateve-se aos limites da melodia. Fê-lo, porém, de modo extraordinário. O antigo conceito de “harmonização” explodiu, entre suas mãos, em cintilantes flores de sensibilidade. Algumas, de alegria ingênua, tanto quanto a sua letra fragmentária e saltitante; outras, dum embalo voluptuoso de rede, ou cheias de embevecimento; outras, ainda, de imperioso júbilo.
É preciso que ninguém se engane com o didatismo desse título, insisto. A intenção educativa é de muito superada pela genialidade da realização artística: escrita sempre renovada em seus recursos, diferente em cada caso, aqui e ali trabalhadíssima, consciente sempre. É obra de suma importância na música brasileira, e, guardadas todas as proporções, das mais significativas e definidoras do feitio do seu autor. Comparemo-la com as célebres coletâneas folclóricas: harmonizações de Julien Tiersot, Bourgault-Ducoudray. Maurice Emmanuel, Joseph Canteloube, mesmo com a de Manuel de Falla, ou, entre nós, com as de Luciano Gallet, de Ernani Braga e outros, aí incluindo as Canções Típicas do próprio Villa-Lôbos. A singularidade da recolta apresentada nesta gravação – abrangendo 58 peças, pouco menos da metade da coletânea de Villa-Lobôs, o demais sendo escrito para canto e piano ou para coro – reside na sua realização para piano só, e num tal elevado nível. Sob esse aspecto, e dado o seu relevante teor artístico, o trato personalíssimo do material, a sua inegável originalidade, parece-me sem par na música universal.
Universalidade que ressalta da interpretação do pianista brasileiro Roberto Szidon, versátil como a obra mesma, cheia de preservado espírito de infância, desse que é peculiar ao bom folclore, e ao mesmo tempo dessa poesia e desse lirismo que é de todas as idades...e daquelas deliciosas vozes de nossa tradição sonora, das mais lindas do mundo: A MARE ENCHEU, ACORDEI DE MADRUGADA, NA CORDA DA VIOLA, SAMBA LELE, VIDA FORMOSA, VAMOS ATRAS DA SERRA, O CALUNGA, O BASTAO OU MIA GATO, tantas indizíveis cristalizações da vida musical popular do Brasil.
Andrade Muricy
Da Academia Brasileira de Música
LADO A
ACORDEI DE MADRUGADA / A MARE ENCHEU / ANDA A RODA / A POMBINHA VOOU / A ROSEIRA
A VELHA QUE TINHA NOVE FILHAS / BA BE BI BO BU / BELA PASTORA / BRINQUEDO (olhe Aquela Menina) / CACHORRINHO
CARAMBOLA / CARANGUEJO / CARNEIRINHO CARNEIRAO / CHORA MENINA CHORA / CO CO CO
CONSTANCIA / CONSTANTE / DE FLOR EM FLOR
ESPANHA / FUI NO TORORO / GARIBALDI FOI A MISSA / LARANJEIRA PEQUENINA / MACHADINHA
MANDO TIRO TIRO LA / MANQUINHA / MARGARIDA / MARIQUITA MUCHACHA (As Mariquitas) / MENINAS O MENINAS
LADO B
MEU PAI AMARROU MEUS OLHOS / NA CORDA DA VIOLA / NO JARDIM CELESTIAL / O BASTAO OU MIA GATO / O CASTELO
O CIRANDA O CIRANDINHA / O CORCUNDA / OLHA O BICHO / OLHA O PASSARINHO DOMINE
O LIMAO / O PASTORZINHO / O PIAO / O POBRE E O RICO / O SIM!
OS POMBINHOS / PAI FRANCISCO / PASSARAS NÃO PASSARAS / PASSE PASSE GAVIAO (Lá Na Ponte da Vinhança) / QUANDO EU ERA PEQUENINO
ROSA AMARELA / SAMBA LELE / SENHORA DONA SANCHA / SONHO DE UMA CRIANÇA / VAI ABOBORA
VAMOS ATRAS DA SERRA OH! CALUNGA / VAMOS MARUCA/ VEM CA SIRIRI / VESTIDINHO BRANCO
Tienda Cafe Con Che
Porque é Imprescindível Sonhar
Nenhum comentário:
Postar um comentário