LP MARIA THEREZA E CONJUNTO DO ALOYSIO MECHA BRANCA
1959
BEVERLY BLP 80730
É sob certo aspectos, bastante curiosa a trajetória da música popular brasileira, na primeira metade dêste século. Nossos avós arrepiavam-se escandalizados, e apontavam entre cochichos desairosos a mocinha que ousasse dançar o maxixe: coisa mais própria para criados, e gente de reputação duvidosa. Êste capítulo, aliás, está à espera de seu biógrafo no campo do espetáculo. Teatrólogos e cineastas fariam uma ótima comédia de costumes com o nosso maxixe – avô do rock-and-roll em matéria de escândalo e controvérsia.
Nessa época tôdas as moças de família estudavam piano, e ultrapassado o “Schmoll” era natural que arriscassem uma composição de Chiquinha Gonzaga, e posteriormente um Ernesto Nazareth ou um Eduardo Souto. Se bem que musicalmente muito boas e autênticas, essas composições (muitas delas curiosamente chamadas em subtítulo de “tanguinho brasileiro”) estavam bem distanciadas do samba, dos chorinhos brejeiros, das marchas, que no bojo dos violões, cavaquinhos e pandeiros ainda não freqüentavam as casa de família.
O violão, base da nossa música popular, era sobretudo um instrumento boêmio, perambulando pelas madrugadas na mão de seresteiros.
O aparecimento de compositores como Sinhô, e posteriormente Noel Rosa; do rádio como meio de divulgação; e de intérpretes com a personalidade de uma Carmem Miranda ou uma Aracy de Almeida, de um Mario Reis ou um Silvio Caldas, foram alguns dos trunfos que de 25 anos a esta parte modificaram radicalmente o panorama. Ao rádio somaram-se quase simultâneamente o cinema falado e o disco como poderosos elementos de divulgação.
A música popular brasileira, que só atingia a totalidade do público no período carnavalesco, passa a ser coisa de todo dia. Depois do grande Noel Rosa (fase suburbana) surgem os primeiros grandes sambistas urbanos – dentre os quais Orestes Barbosa, trazendo para o temário do samba: asfalto, elevadores, anúncios luminosos, etc.
A natural competição entre as emprêsas gravadoras, e a necessidade de enfrentar a qualidade das gravações importadas, começam a vestir nossa música de orquestrações cuidadas – os violinos, madeiras e metais vêm fazer companhia ao violão, cavaquinho e pandeiro. A competição força a seleção e o refinamento de temas, à procura de letras e assuntos novos.
Os grandes e autênticos poetas primitivas, que eram e são os sambistas boêmios de violão na mão pelos subúrbios, vão enfrentar concorrentes insuspeitados. Os poetas entram na arena, trocam a lira pelo violão e descobrem o prodígio de uma penetração popular que os livros não lhes tinham dado. Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira, Vinicius de Moraes, para citar apenas alguns, têm, composições gravadas com grande êxito. No teatro Gianfrancesco Guarnieri alcança sucesso inédito com “Gimba”, cuja temática está intimamente ligada ao samba. No cinema “O Cangaceiro”, há alguns anos, levou a música do Nordeste brasileiro ao mundo todo, e no presente a música das escolas de samba foi a chave mestra na conquista da “Palma de Ouro” do Festival de Cannes para o “Orfeu do Carnaval”, baseado na peça de Vinicius de Moraes.
Operada essa transformação, deixa de ser surpreendente que jovens das melhores famílias não só interpretem como componham, ao violão, sambas da melhor qualidade. O que é surpreendente, é que numa geração descontrolada e violenta, que faz de seus problemas noticiário escandaloso em jornais, uma jovem faça de seus problemas poemas e canções.
Maria Thereza, o mais novo elo dessa imensa cadeia romântica que é a música popular brasileira, vem juntar-se a galeria dos jovens valores. Nascida e criada na melhora sociedade de São Paulo, tem ela, seu violão e sua inspiração mergulhados na alma de nosso povo. Versátil como intérprete, inspirada como compositora, deixa agora o pequeno grupo de amigos para cantar para todos neste LP.
Mauricio Barroso
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